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Papa Leão XIV – o homem que trouxe de volta o rugido da esperança

O significado do nome Leão para um papa

O pontificado de Leão XIV representa um novo capítulo para a Igreja Católica, marcado pela eleição de Robert Francis Prevost, um homem de alma andina e raízes americanas.

Papa Leão XIV

 Caros Legentes, no tempo em que a fé parecia perder a voz, e os homens erguiam muros ao invés de pontes, eis que um novo vento soprou sobre os telhados de Roma. Um sussurro antigo acordou os sinos da eternidade e o mundo, por um breve instante, silenciou. Não por medo. Não por dor. Mas por reverência a algo que se move além do visível, por trás das cortinas da História, onde Deus ainda escreve com tinta invisível sobre os corações dos homens. Um rugido atravessou os séculos, entre a frágil beleza da humanidade e a vastidão insondável do Eterno.

            Na quietude entre uma fumaça e outra, entre uma oração e um suspiro, o céu romano se abriu. Não com trovões. Não com relâmpagos. Mas com a brancura da escolha. No dia 8 de maio de 2025, a humanidade testemunhou um gesto que ultrapassava a liturgia. A fumaça branca ergueu-se como se fosse o espírito do tempo purificado, e dele emergiu um nome novo e antigo: Leão XIV.

            Lá estava ele, o escolhido. Um homem de rosto tranquilo, feições urbanas e alma andina. Robert Francis Prevost. Nascido na terra do jazz, forjado no silêncio das montanhas peruanas. Um papa com cheiro de povo e olhos de teólogo. O mundo não apenas viu um novo pontífice. O mundo viu o inesperado se tornar inevitável.

            Mas por que “Leão”? Por que, dentre tantos nomes que repousam nos corredores da tradição, esse símbolo, esse rugido, esse chamado?

            A resposta habita nas páginas de um tempo em que o papado não era apenas uma função, mas uma força que movia impérios e detinha bárbaros.

            O primeiro Leão, “Leão I”, não apenas conduziu a Igreja; ele a defendeu com palavras que valiam mais do que lanças. Quando Átila, o flagelo de Deus, ameaçou invadir Roma, foi Leão quem saiu ao seu encontro. Sem exércitos. Sem escudos. Apenas com fé e dignidade. O encontro entre o huno e o papa permanece envolto em névoas históricas, mas o fato é que Átila recuou. E a cidade foi poupada. O rugido deste Leão ecoa na eternidade, não como o brado de um simples homem, mas como a manifestação de algo que ultrapassa os limites da carne e desafia a finitude da própria existência.

            Leão I também selou verdades que ecoam até hoje. Sua epístola ao Concílio de Calcedônia definiu os contornos da divindade de Cristo, unindo em um só ser o humano e o eterno. Não à toa, ele foi coroado com o título de “Magno”, o Grande. Um título que não se pede. Um título que o tempo concede a quem ousa ser maior que seu medo.

            Foi nas vésperas do ano 800 que o mundo presenciou um gesto que moldaria o destino da cristandade ocidental. Diante do altar de São Pedro, com solenidade quase celestial, o Papa Leão III colocou a coroa imperial sobre a cabeça de Carlos Magno, selando não apenas a fundação do Sacro Império Romano-Germânico, mas a renovação simbólica de Roma.

            Com esse ato, o trono de César foi reinterpretado à luz do Evangelho, e o poder espiritual do papa passou a pairar sobre os reis da terra. A aliança com os francos não era apenas estratégica: era a semente de uma nova ordem cristã no Ocidente, onde o cetro imperial se curvava diante da cruz. Leão III, com mãos ungidas e olhar de estadista, estabeleceu o papado como força moral e política capaz de ungir ou limitar, imperadores. Quando Leão III ergueu a coroa, seu rugido atravessou os séculos: foi o momento em que o céu tocou a terra sob a forma de autoridade divina.

            Séculos depois, outro Leão surgiria. Leão X. O homem da Renascença. O amante das artes, da beleza e da pompa. Seu papado foi marcado por esplendor e contradição. Patrocinou Michelangelo, fez florescer a cultura, mas também foi cego ao terremoto que se aproximava. Lutero já preparava suas teses. A reforma viria como um trovão, e Leão X, em sua soberba estética, não viu o abismo que se abria sob seus pés. Seu rugido não foi de fúria, mas de sentença ao excomungar Lutero, fez ecoar a voz da cátedra contra o trovão da rebeldia.

            Mas talvez o Leão que mais tocou o novo Papa tenha sido Leão XIII. O velho pastor dos tempos modernos. No alvorecer da Revolução Industrial, quando a máquina engolia o homem e a pobreza se tornava engrenagem, Leão XIII ergueu a voz: e seu rugido não foi apenas ouvido, mas cravado na História dos homens como um eco de justiça que atravessa os séculos. E escreveu, com a coragem de quem ama o próximo, a Rerum Novarum. Um manifesto em defesa dos operários, dos esquecidos, dos que não tinham voz. Falou sobre salários justos, dignidade do trabalho, justiça social. E, ao fazer isso, plantou as sementes de uma Igreja voltada ao mundo, mas sem perder sua alma.

            Robert Prevost conhece esses ecos. Carrega esses nomes no coração como se fossem bússolas. Ao escolher “Leão XIV”, ele não fez um gesto simbólico. Fez uma promessa.

            Prometeu que não fugirá dos bárbaros que cercam a fé nos dias atuais, as indiferenças, os fanatismos, os algoritmos do ódio. Prometeu que, como Leão Magno, será voz quando todos forem silêncio. Como Leão XIII, será mão estendida ao trabalhador moderno, ao migrante expulso, à mulher ignorada, ao jovem sem esperança.

            Mas quem é esse homem que agora calça as sandálias do pescador?

            Nascido em 14 de setembro de 1955, no coração de Chicago, cresceu entre as tensões de um bairro popular e a doçura de uma família miscigenada. Filho de Louis, um veterano da Segunda Guerra, e de Mildred, bibliotecária e descendente de crioulos de Louisiana, Robert desde cedo entendeu que a fé não mora nos templos suntuosos, mas nos olhos de quem sofre.

            Estudou matemática. Depois teologia. E finalmente mergulhou nos estudos canônicos, como quem busca a estrutura por trás da espiritualidade. Mas não foi nos livros que ele encontrou sua vocação. Foi no Peru. Nas periferias de Piura. Nas trilhas de Trujillo. Lá ele se fez missionário. Lá aprendeu a linguagem do suor. Foi pároco, conselheiro, professor e, sobretudo, irmão. Não chegou como colonizador. Chegou como aprendiz.

            Foi assim que se tornou cidadão peruano. E bispo. E, mais tarde, prefeito do Dicastério para os Bispos no Vaticano. Em 2023, foi feito cardeal. Mas não se deslumbrou. Continuava a andar sem guarda-costas. A visitar os irmãos agostinianos. A ouvir mais do que falar. Ajudou vítimas de enchentes em Chiclayo, gravou vídeos pedindo doações e foi visto com botas em áreas alagadas, demonstrando apoio e solidariedade. 

            Por trás de sua calma, havia convicções de ferro. É defensor do celibato sacerdotal, mas compreende as angústias da carne. É fiel à tradição, mas aberto à escuta. Fala com serenidade, mas suas palavras tem peso.

            Quando foi eleito Papa, cobriu o rosto. Como quem não se sente digno. Como quem ainda crê que o chamado de Deus não é honra, mas cruz.

            Seu primeiro gesto foi a vestimenta. Recolocou a mozzetta vermelha, símbolo da tradição. E muitos viram ali um sinal. Não de retrocesso. Mas de equilíbrio. De um retorno à dignidade formal, sem esquecer a simplicidade de Francisco.

            Leão XIV é o primeiro papa agostiniano. E isso não é pequeno. Santo Agostinho ensinava que não se pode amar aquilo que não se conhece. E que o coração humano está inquieto enquanto não repousa em Deus. Essa inquietude o novo Papa conhece bem. Ele a viu nos olhos dos migrantes que choram ao serem deportados. Nos olhos das mulheres que esperam mais da Igreja. Nos olhos dos jovens que olham para o céu e não veem sentido.

            E é para esses que ele quer ser papa. Quer que a Igreja volte a ser lar. Não tribunal. Quer que a fé seja ponte. Não muralha. Quer que o amor cristão não seja apenas discurso. Mas política. Economia. Ecologia.

            O mundo espera dele mais do que palavras bonitas. Espera ações. Espera que, como Leão XIII, ele escreva novas Rerum Novarum. Que fale sobre a tecnologia, o excesso de informação, o vazio existencial, a crise climática, os conflitos armados que sangram o planeta.

            Ele já começou. Na primeira audiência com os bispos, reafirmou o compromisso com as vítimas de abusos, exigindo transparência. Pediu vida simples ao clero. Denunciou o elitismo eclesial. Falou da importância da mulher. Defendeu os migrantes. E, com voz pausada, disse: “Amo-vos.”

            Essa frase, simples e imensa, ecoou pelos corredores do Vaticano como se Santo Agostinho voltasse a caminhar entre os homens.

            Leão XIV não é carismático no sentido hollywoodiano. Não tem os gestos grandiosos de João Paulo II. Nem a doçura desconcertante de Francisco. Mas carrega outra força: a profundidade.

            Ele é poço, não cascata. Silêncio que ensina, não grito que distrai. E é por isso que o mundo, tão cansado de ruído, começa a ouvi-lo.

            Mas nenhuma missão é recebida sem espinhos. E Leão XIV sabe que o palácio apostólico também abriga desertos. As feridas abertas dentro da Igreja ainda sangram: os abusos que traumatizaram gerações, a opacidade financeira que envergonha os fiéis, a burocracia que sufoca o Espírito. Ele herda não só a tiara simbólica, mas o fardo invisível de uma instituição em luta por alma e identidade.

            Será preciso coragem para reformar não apenas estruturas, mas mentalidades. Serão necessários mais do que decretos: serão exigidas lágrimas. O novo Papa enfrentará resistência. Haverá quem o acuse de excessiva prudência. Outros o verão como símbolo de continuidade, quando o mundo clama por ruptura. Mas a verdade é que Leão XIV não é continuidade. Nem ruptura. Ele é reconciliação. O reencontro entre os extremos. A tentativa rara e, quase sempre dolorosa, de escutar a todos sem trair a verdade.

            Na sua liderança já se nota um estilo quase contemplativo. Ele caminha com os pés no chão de uma tradição milenar, mas com os olhos voltados ao que ainda não nasceu. Sua agenda não será de manchetes. Será de gestos. De escolhas silenciosas que alterarão destinos. Vai preferir mudar discretamente o curso de um rio do que construir uma represa sob holofotes.

            E não está sozinho. O mundo espera. A Terra observa. As expectativas sobre seus ombros são do tamanho de continentes. Espera-se que ele traga novo fôlego à sinodalidade, essa palavra tão falada e tão pouco compreendida. Que permita a Igreja respirar com os dois pulmões: o da tradição e o da participação. Que faça da escuta uma forma de governo. Que devolva aos fiéis o direito de sonhar junto com Roma.

            Espera-se também que caminhe além das palavras. Que transforme suas falas sobre meio ambiente em ações concretas. Que faça da ecologia integral não um panfleto, mas uma prática. Já anunciou medidas para descarbonizar o Vaticano, estimular energias limpas, proteger a Criação. Mas sabe que isso é só o início. Que não basta plantar árvores. É preciso replantar esperanças.

            Na política global, sua figura cresce como um dos últimos faróis morais. Em tempos em que a ética se vende a cada eleição, a Igreja é chamada a ser a voz que não se curva. E o Papa, qualquer papa, é quem deve dar o tom. Com Gaza ainda sob bombas, com a Ucrânia partida em ruínas, com Israel e Irã dividindo o mundo, com a África esquecida entre extrações e genocídios, o mundo implora por alguém que fale com autoridade, mas sem arrogância. Que convoque líderes ao diálogo. Que lembre aos poderosos que há limites para a ambição. Que o outro, por mais distante que pareça, é sempre nosso irmão. Que seu rugido seja ouvido pela História.

            Leão XIV se mostra apto a esse desafio. Não porque brada. Mas porque compreende. Seu silêncio é eloquente. Sua moderação é sua força. Ele sabe que os extremos se alimentam de histeria. Por isso, oferece serenidade. Num planeta intoxicado de ruído, sua presença é quase medicinal.

            No entanto, talvez o maior desafio não venha de fora. Venha de dentro. De dentro da própria Igreja. De suas paredes invisíveis. De suas feridas mal cicatrizadas. De suas divisões internas, entre os que querem voltar ao passado dourado e os que sonham com um futuro que nunca chega. Leão XIV será o papa do meio. E o meio, sabemos, é o lugar do atrito.

            Será acusado de ser pouco. De não ir longe o bastante. De não mudar o bastante. De não enfrentar o bastante. Mas isso é porque muitos ainda não entenderam: sua mudança não será de slogans. Será de alicerces. Ele não pintará a fachada. Ele mexerá nos fundamentos. E isso leva tempo. E exige fé.

            Em sua biografia, em sua vocação, em sua missão, tudo parece conspirar para um pontificado marcante. Não espetaculoso. Mas fecundo. Não barulhento. Mas transformador.

            Leão XIV é o papa da travessia. Aquele que recebe uma Igreja em turbulência e a conduz à margem de um novo tempo. Não para ser a Igreja do mundo. Mas para ser a Igreja no mundo. Presente. Coerente. Enraizada no Evangelho e aberta à escuta das dores humanas.

            Aos olhos do planeta, sua figura cresce como símbolo de esperança num tempo sem bússola. Ele pode não ser o papa dos aplausos. Mas será o papa da consciência.

            E talvez, no fim, seja isso que mais precisamos: não mais heróis messiânicos, não mais celebridades de batina, mas um homem. Um homem de verdade. Um homem que, ao ser escolhido, cobriu o rosto. E ao descobrir o mundo, não se escondeu.

            O tempo dirá quem foi Leão XIV. Mas já podemos sentir que, entre o rugido dos séculos e o silêncio de uma nova era, um novo ciclo começou. E nele, um homem comum, de alma imensa, foi escolhido para lembrar-nos do essencial: que a fé ainda pulsa, que a esperança ainda resiste, e que a caridade, sempre, será o último suspiro de Deus sobre a Terra.

            E se houver coragem de seguir esse caminho, talvez possamos dizer, mais uma vez, que os leões não estão extintos. Apenas esperavam o momento certo para rugir de novo.

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