Os Grupos “do bem” que atuam nas invasões paulistanas
A Prefeitura de São Paulo sofre há tempos com problemas inter-relacionados: pessoas que alegam serem “sem-teto”, movimentos que se auto-denominam “de cunho social” e decidem julgar o que pode ou não ser considerado como moradia das pessoas por quem alegam “lutar”, e a falta de amparo legal e jurídico para lidar com os transtornos causados por esses movimentos.
Atualmente, não há dados específicos sobre a quantidade de pessoas consideradas sem-teto na cidade de São Paulo. Um dos principais órgãos que apura o número dessa população os coloca sob o guarda-chuva de “pessoas em situação de rua”, causando uma distorção dos dados apresentados. Trata-se do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É considerado um dos principais órgãos pois é o que tem ampla divulgação nas mídias – inclusive, há algo estranho: verificou-se que a última data em que dados foram apurados por essa entidade foi em março de 2025, em que o órgão constatou que há 96.220 pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo; é possível confirmar isso em grandes site de notícia. Entretanto, no próprio site do OBPopRua, os últimos dados que podem ser pesquisados referem-se ao período de 2020-2021.
A provável distorção que ocorre por não haver diferenciação entre quem de fato está em situação de rua e quem se considera sem-teto é porque o OBPopRua se baseia no Cadastro Único (CadÚnico) para elaborar suas estatísticas. Mas este é um cadastro que reúne beneficiários de várias políticas sociais, como o Bolsa Família, por exemplo. A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo já chegou a contestar o uso dele como referência por afirmar que é “cumulativo e autodeclaratório, não retrata a realidade da cidade”. Portanto, é possível que haja uma mesclagem nos dados entre a população que é sem-teto e a que de fato vive em situação de rua.
Os ditos sem-teto, ao contrário de pessoas que realmente estão em situação de rua e não possuem moradia, são pessoas de baixa renda que moram em algum lugar que geralmente está sob condições precárias; os movimentos também consideram como parte dessa população famílias que estão à beira do despejo. E quando essas pessoas se deparam com algum Movimento Social de “luta por moradia”, elas se atraem como se estivessem ouvindo o canto de uma sereia: afinal, que pessoa em situação de vulnerabilidade social não estaria sujeita a acreditar em movimentos que exibem um verniz de organização e mostram “resultados” na luta pela tão sonhada “casa própria”? As que caem na ladainha se unem aos movimentos, se cadastram, e tornam-se militantes das causas – condição sine qua non para poderem usufruir de uma “vaga” de moradia, quando esta se encontra “disponível”.
O que essas pessoas conseguem, no entanto, é uma jornada de mais “luta” contra o poder público do que qualquer outra coisa. São levados a “ocupações” de locais que geralmente têm donos, mas estão em estado de degradação ou em reformas – e cada local tem sua história particular, que não interessa a nenhum movimento. Além disso, os proprietários de grande parte desses imóveis têm a situação deles regularizada junto à Prefeitura, por mais que não habitem ou utilizem a casa ou edifício naquele momento. Então, se seus impostos estão em dia, não haveria o que debater: os imóveis pertencem a eles e ninguém pode invadi-los.
Mas essa não é a visão dos Movimentos que “ocupam” lugares assim. Os líderes dos Movimentos acreditam ter o direito, o direito de “ocupar” quaisquer que sejam os lugares que considerem abandonados e que lhes pareçam convenientes – principalmente em termos de localização – as ocupações acontecem notadamente no Centro Velho da cidade. É implícito que essa opção pelo Centro se dê porque é um bairro que permite acesso a praticamente qualquer lugar, além de possuir hospitais públicos, pequenos mercados, lojas de todos os tipos (até mesmo Shopping Center), entre outros tipos de empreendimentos ou serviços públicos que nem sempre podem ser encontrados com facilidade nas periferias.
A partir daqui, o nome “ocupação” será substituído por uma versão mais adequada à realidade: “invasão” – já que é isso que os líderes desses movimentos realmente promovem. Tanto que, quando se trata de casas e edifícios que têm donos e documentos regularizados, há inúmeras tentativas de reintegração de posse, que geralmente fracassam por uma politização da mídia e das instâncias jurídicas que se responsabilizam pelos casos.
Mas quais são os principais movimentos que atuam em São Paulo? E como agem (até onde conseguimos apurar objetivamente)?
A seguir, serão abordados dois dos principais grupos que atuam na cidade: o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e a Frente de Luta por Moradia (FLM). Serão descritos seus objetivos declarados, algumas das ocupações reivindicadas por eles e polêmicas em que estão envolvidos.
Grupos que “lutam pela moradia” em São Paulo
MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
Protesto de militantes do MTST. Fonte: Site do MTST
É provavelmente o grupo mais conhecido de todos, especialmente por ser associado ao deputado federal Guilherme Boulos, presidente do Movimento desde 2002 e líder de várias manifestações degradantes que levaram à depredação de patrimônio e queima de pneus, entre outras situações vexaminosas (e criminosas).
O MTST foi fundado em 1997. Em seu site oficial, afirma que o intuito foi “garantir o direito constitucional à moradia digna para todas e todos”. Eles citam em seus argumentos os seguintes artigos da Constituição Federal:
- Art. 6: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
- Art. 23: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(…)
IX – promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;
X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos(…).
Aqui, já vemos uma enorme contradição: se a luta era pelo direito constitucional da moradia digna para todas as pessoas, por que agem de forma inconstitucional? Afinal, muitas vezes eles depredam patrimônios públicos em suas ações (contra o que diz o inciso primeiro do próprio Art. 23: I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público), além de desrespeitarem o direito à propriedade, também previsto na Constituição. Muitas vezes, seus militantes alegam que é porque as propriedades invadidas não estavam “cumprindo sua função social”, mas nem eles nem o Movimento têm prerrogativas para determinar isso sobre nenhuma propriedade. Quem pode fazê-lo é somente o Estado, e ainda assim, o eventual dono do terreno teoricamente tem direito à defesa de acusações como essa.
Continuando com suas promessas, eles dizem que a “moradia digna” é o primeiro passo para sair da invisibilidade social, e por isso o MTST reivindica por políticas de reforma urbana. Alega ser formado por trabalhadores urbanos pobres, precarizados e periféricos “que não só levantam ocupações, mas lutam por uma reforma completa e real que priorize marginalizados, defendendo o direito à cidade”.
Por fim, definem que sua luta transbordou o objetivo da moradia e se define em 3 frentes: Teto, em que afirmam estarem comprometidos com a construção de “alternativas populares para combater a mercantilização da moradia”, além de disseminar seu projeto político nos próximos anos; Trabalho, em que versam sobre precarização do trabalho, redução de direitos trabalhistas, falta de proteção social, dizendo que os trabalhadores organizados precisam garantir seus direitos e uma vida digna pra todos; e, por fim, Pão, onde discorrem sobre a fome, a insegurança alimentar que, segundo eles, afeta cerca de 33 milhões de pessoas no país (sem citar fontes) e atinge principalmente mulheres, pessoas negras e trabalhadores informais, defendendo as cozinhas coletivas do Movimento, chamadas de “Cozinhas Solidárias”.
Interessantemente, eles não abordam nada sobre os líderes, administradores e como funciona a estrutura do Movimento de forma detalhada no referido site. Ou seja: o discurso é lindo, mas na prática, o que vemos são invasões, principalmente de terrenos periféricos, como aconteceu em um terreno do bairro São Mateus, da Zona Leste de São Paulo, que felizmente teve reintegração de posse consumada em 2017, retirando 700 famílias “ocupantes” do terreno, fortemente defendidas na ocasião por Boulos, detido temporariamente pela polícia no dia por incitação à violência e desobediência.
Também vale a pena citar outro caso ocorrido no mesmo ano, na cidade de São Bernardo do Campo: a invasão batizada pelos integrantes de “Povo Sem Medo”, num terreno de 60 mil metros pertencente a uma empresa. Mais de 7 mil famílias haviam “ocupado” o local, e foram despejadas por uma reintegração de posse.
Por fim, vale destacar que ele está ligado a outros movimentos famosos, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) e o Movimento Passe Livre (MPL).
FLM – Frente de Luta por Moradia
Membros do FLM. Fonte: Site do FLM
Este Movimento, na verdade, representa um agrupamento de diversos movimentos autônomos e foi fundado em 2004 na cidade de São Paulo. Tem definições vagas, como “defender o direito à cidade e à moradia“. Entretanto, suas ações são extremamente concretas. Realizou diversas invasões ao longo dos anos, e seus militantes são assíduos – provavelmente por motivos que veremos mais à frente. Clama ter atuado “na organização de famílias sem-teto” em várias regiões da cidade em “jornadas em defesa do acesso à moradia”. Também afirma ter construído propostas de defesa de moradores nos centros urbanos, IPTU progressivo para propriedades abandonadas, moradias provisórias em propriedades abandonadas (que na prática, viraram invasões permanentes) e apoio a programas habitacionais com financiamentos justos.
Em 2017, seus representantes decidiram ampliar a experiência do Movimento junto a outros que atuam em diferentes estados Brasileiros para “ajudar na construção da unidade nacional da luta por moradia”.
Ao contrário do MTST, este grupo expõe explicitamente em seu site sua forma de organização, e ela contém várias especificações: há “Diretrizes para a Organização da Sustentabilidade”, que na realidade dispõem sobre a Organização de cada sub-movimento ou local invadido associado ao FLM, inclusive com a recomendação da cobrança de “no máximo R$ 30,00 mensais por famílias.” Logo em seguida, há a alegação: “alguns movimentos praticam esse valor, outros recolhem R$ 10,00 por mês; alguns, R$ 20,00” (e, no fim das contas, veremos que os valores são muito mais altos).
Além disso, existe um Regulamento de Grupos de Base, que contém vários itens, mas basicamente discorre sobre a contribuição mensal obrigatória dos associados, bem como suas participações em todas as reuniões, atos, passeatas, lutas diretas, palestras, festas ou qualquer manifestação organizada pelo Movimento FLM.
A participação ativa é considerada “um verdadeiro teste para medir a disposição de luta, o companheirismo, o grau de compreensão dos grupos de base e cada um a respeito do problema da moradia”. E há dois recados: quem não participa das lutas decididas pelo conjunto não terá direito a conquistas futuras; e existe um sistema de pontuação da participação das famílias nas atividades do grupo e do movimento, de acordo com o tempo e grau de participação, que incluem as atividades de reunião, participação em atos, em comissões de trabalho e contribuição financeira – e a pontuação final determina a seleção das famílias que entrarão nos “projetos conquistados”. Agora dá para entender por que seus membros são tantos e tão ativos.
Finalmente, há um Regulamento Interno dos Espaços Habitacionais Conquistados. Destaca-se aqui que consideram a “Assembleia Geral” das famílias moradoras como órgão máximo e soberano; existe uma portaria que permite entrada e saída de visitantes até no máximo 21h (com registro) e, entre 22h e 06h há praticamente um “toque de recolher”, porque as famílias devem procurar sair somente em casos de extrema necessidade. Também há regras sobre segurança, respeito, proibição de drogas e tráfico dentro dos edifícios, proibição de agressões, manutenção do “patrimônio” do prédio, limpeza e higienização das áreas comuns e dos sanitários distribuída para todos os morados do prédio, entre outras disposições.
Algumas de suas invasões mais famosas são:
- Três prédios do Centro da cidade de São Paulo, em novembro de 2024, sendo: um na Rua Major Quedinho, perto da Avenida Nove de Julho; o segundo, na Rua São Bento; e o terceiro, na Rua Santo Antônio, próximo à Câmara Municipal. Os prédios foram desapropriados pela Polícia Militar pouco após a invasão.
- A Ocupação Prestes Maia, feita no Edifício homônimo em 2002, e que surpreendentemente acabou se transformando em um local escolhido pelo Programa Habitacional “Pode Entrar”, da Prefeitura de São Paulo, tendo passado por reforma de R$ 76 milhões e beneficiando 287 famílias que já estavam no prédio.
- A Ocupação São João, que “estourou” na mídia em 2016 como “Ocupação-Modelo”, já que foi reformada na medida do possível por dentro, era organizada e continha até espaço cultural. Não foi possível encontrar dados atualizados sobre sua situação atual.
Por dentro de uma Ocupação do FLM
Fachada do antigo Hotel Columbia Palace. (Foto: Nilton Fukuda/Estadão)
Já tive uma experiência pessoal na Ocupação São João, que consolidou muito do que já pensava contra esses movimentos.
Primeiramente, uma contextualização: o nome original do edifício é Columbia Palace, construído em meados de 1920, com projeto do famoso arquiteto Ramos de Azevedo. Ele costumava ser um hotel de luxo antes de sua decadência.
Em outubro de 2010, o movimento Frente de Luta por Moradia resolveu invadi-lo, alegando que estava “desocupado há 17 anos”. Após isso, seguiram-se anos de luta judicial, com várias ordens de reintegrações de posse expedidas que acabam sendo derrubadas na Defensoria Pública.
Considerando o que foi exposto até agora sobre as regras estritas de militância para obter vagas nas invasões, não impressiona o fato de que há muita mobilização do FLM, que acaba interferindo nessas decisões judiciais em favor do Movimento.
Minha experiência pessoal ocorreu em 2014 ou 2015 e foi singular: eu participava de um Programa da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo chamado “Jovem Monitor Cultural”. Na época, seu escopo consistia em alocar os escolhidos para Equipamentos Públicos de Cultura da cidade pré-designados durante 4 dias na semana para que atuassem na região, dando novo sopro de vida ao Equipamento e desenvolvendo de alguma forma a relação dele com os habitantes do local – em troca, recebia-se uma bolsa de R$ 1000 e um valor a mais para auxílio-transporte.
A grande “sacada” deste programa, no entanto, estava no que era programado durante o dia da semana em que os jovens não estariam nos Equipamentos Culturais: uma suposta “formação em Gestão para Equipamentos Públicos de Cultura”. Entretanto, esta formação, realizada sempre às segundas-feiras, na prática tinha em sua grade curricular muito menos itens dedicados ao aprendizado de Gestão ou de Políticas Públicas de Cultura e uma parte muito maior destinada ao aprendizado de militância.
Essa introdução precisava ser feita para entenderem o foco que darei a partir de agora, que será a descrição de uma segunda-feira bem típica de uma “aula de militância”.
Numa dessas segundas-feiras, fomos visitar uma típica “Ocupação” em um prédio enorme do Centro da cidade localizado na Avenida São João. Felizmente, sua fachada mantém a maioria de sua estrutura original – o que é necessário inclusive por se tratar de um prédio listado como patrimônio pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de (CONPRESP) – embora esteja degradada pelo tempo.
Entrei no prédio com o grupo para ter uma “aula” sobre a importância da ação do FLM e grupos de luta por moradia no geral na cidade, e com isso, descobri alguns dos elementos de como funcionava o esquema dessa organização vindo da própria boca de um dos seus representantes locais. Naquele prédio, as pessoas precisavam pagar uma taxa para a manutenção de itens indispensáveis, como se fosse um condomínio com zeladoria. Entretanto, tais itens, que incluíam água e luz, muitas vezes não estavam disponíveis para os invasores.
Naquele momento, em particular, a questão da iluminação era um problema – não pudemos sair muito tarde não somente pelo local ser perigoso para pegar transporte público, mas também porque em determinado momento estávamos conversando sob a luz de velas. Ainda assim, os ditos moradores não podiam deixar de pagar a taxa, com a pena de serem expulsos do local.
Se ela não estava sendo utilizada para a verdadeira melhoria de itens básicos como luz, água e até mesmo outras questões de zeladoria, para onde estava indo esse dinheiro? Esse foi o meu primeiro questionamento interno. Lembro-me que o líder do local afirmou que era cobrada uma taxa de R$ 200 por família, e hoje vejo que é um valor bem diferente do que está descrito no site do FLM.
Na ocasião, não fomos permitidos a subir nos andares, para “deixarmos os moradores tranquilos”. Apenas passamos por um salão de onde era possível ver o local inteiro de baixo para cima, e dali era possível enxergar como funcionava o acesso ao primeiro andar. Diga-se de passagem: esse acesso era íngreme, perigoso, e nos primeiros degraus não havia qualquer tipo de proteção (como grades ou coisas do tipo), e crianças corriam por ele. Parecia uma espécie de morro com um formato um pouco mais trapezoidal, que em determinado ponto se convertia em escada (hoje, esse problema foi resolvido, segundo o que pude perceber em fotos de matérias mais recentes).
Vista Interna do Salão aberto da Ocupação São João. (Fonte: Gabo Morales/UOL)
Fomos conduzidos a uma sala, onde o líder, por recolher o dinheiro dos moradores, nos explicou como funcionava a estruturação. Tudo de um ponto de vista positivo e defendendo a invasão, é claro; quando a insalubridade, precariedade ou periculosidade eram mencionadas, até por ele mesmo, era sempre num viés de como havia um “abandono da Prefeitura” para com aquelas famílias.
Por que essas invasões são um risco à sociedade e o que fazer com o problema da moradia?
Quem olha de fora, pode pensar “pobres sem-teto. Eles não tinham nada, estavam sob condições precárias, e graças a esses Movimentos, alcançaram uma moradia! Não há nada de errado nisso; afinal, os edifícios ou terrenos que ocuparam estavam vazios”.
O que quem pensa assim não para para considerar é a total precariedade e vulnerabilidade a que essas populações ficam expostas – além de sofrerem extorsões de líderes ou comandantes de organizações que dizem ajudá-las;
Quem as vê dando depoimento, falando de suas “casinhas” fica emocionado, mas se esquece, por exemplo, que edifícios “organizadinhos” que foram invadidos já pegaram fogo ou simplesmente desabaram no passado.
Porque as condições a que as pessoas se submetem, que foram testemunhadas por mim na Ocupação São João – na época, falta de acabamento que comprometia a integridade física das pessoas, problemas básicos de infraestrutura relacionados à luz elétrica e água – que provavelmente também incluía o esgoto – além do pagamento de taxa para os líderes e a obrigação de participar em manifestações sob pena de expulsão deixam claro a distorção que estes movimentos provocam.
Além, é claro, da questão do direito à propriedade.
Se essas pessoas têm o direito à propriedade, que deve ser assegurado – e isso realmente é digno de se defender – tanto também tem aqueles que são os donos dos locais invadidos. Não interessa o status social a que pertencem ou se tratam-se de pessoas físicas ou empresas. Se tudo está legalizado, o direito é deles.
Líderes e organizadores desses movimentos manipulam as pessoas vulneráveis e as exploram, seja por qual motivo obscuro que for.
Pior, talvez, seja o caso do MTST: invadir terrenos e morar em barracas é melhor do que estar sob outro tipo de moradia que se considera precária?
Além de tudo, existe o fator óbvio que é não só ignorado por todos como tido como um não-argumento, já que acreditam estarem fazendo o bem, o certo, o justo e o moral: todas essas pessoas estão agindo fora da lei – em especial os líderes dos Movimentos. Até nessa “furada” os organizadores colocam quem supostamente protegem.
E vale lembrar: hoje, a Administração da Prefeitura de São Paulo está empenhada em trazer soluções para o problema da habitação: o primeiro exemplo é o próprio Programa Habitacional Pode Entrar, destinado a pessoas de baixa renda que não têm possibilidade de adquirir moradia por empréstimo bancário; há também a Requalificação do Centro, com programas como Requalifica Centro e a Área de Intervenção Urbana (AIU) do Setor Central, iniciativas que têm o objetivo de transformar imóveis antigos em moradias populares, com foco na habitação de interesse social e modelo retrofit; o Programa de Urbanização de Favelas, que busca realizar obras de infraestrutura, regularização fundiária e reassentamento de famílias em locais seguros; e, por fim, está prevista no Plano Diretor Estratégico a Cota de Solidariedade,que exige que empreendimentos com mais de 20 mil m² de área construída destinem 10% dessa área para habitação de interesse social. Ou seja, já há soluções sendo promovidas pelo poder público – só não vê quem ganha algo com isso ou quem é doutrinado por quem ganha.
No fim, só posso concluir que essas organizações não são meramente “beneficentes”; algum tipo de lucro elas têm com suas ações – seja financeiro, seja de capital político.
A esperança que fica é que programas como os propostos pela Prefeitura de São Paulo funcionem com eficiência e adequação às necessidades da população vulnerável, e que novas soluções eficientes possam ser propostas para sem-teto não caírem mais na falácia da luta por moradia de grupos que querem explorar sua situação e obtenham sua tão desejada liberdade.
Referências Bibliográficas
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