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Bebidas, apostas e esporte: O Retrato da Sociedade Brasileira

CARLOS WEBER CERVEJA SITE

Futebol, cerveja e, acima de tudo, jogos de azar preenchiam o horizonte de suas mentes. Mantê-los sob controle não era difícil.

George Orwell, 1984

Veja bem, leitor, existe algo que represente o Brasil melhor do que as três coisas mencionadas acima? Esta notória frase do romance mais famoso do escritor inglês, mesmo que não intencionalmente, se aplica à realidade brasileira de forma quase impecável. Sobre esse livro, você talvez veja algumas resenhas dizendo que a realidade brasileira é análoga à da Oceânia dominada pelo partido INGSOC e, hoje, venho dizer que não. A nossa realidade é ainda pior.

Na obra distópica de Orwell, o partido INGSOC, controlado por pessoas misteriosas e encabeçado por uma figura chamada “Big Brother”, que nem se sabe se existe ou não, domina de forma absoluta a Oceânia, nação onde se passa a narrativa. Nesse enorme país que engloba toda a América, parte da Europa e parte da Oceania que conhecemos, absolutamente todas as informações são manipuladas para cumprir a agenda do partido.

Afinal, quem escreve o passado, controla o presente; e quem controla o presente, controla o futuro. Indivíduos mais extremistas em sua forma de pensar diriam que já vivemos em uma ditadura e que os índices horrendos de educação foram um projeto de poder planejado pelas elites para se perpetuarem no poder e, portanto, a nossa situação seria parecida com a descrita no romance. Essa análise, por mais que seja confortante aceitá-la sem refletir, não engloba a realidade em sua totalidade. Sim, há uma negligência com projetos reais que melhorem a educação e, também, isso atende às necessidades da elite. Mas, para cumprir o que ocorre na ditadura da novela, falta um elemento essencial: a restrição do pensamento.

Na obra, pensar fora da curva e sair das diretrizes previstas pelo partido resultaria no desaparecimento do indivíduo e seu apagamento da história. Livros eram censurados e alterados conforme a necessidade do partido, nenhum texto, foto ou obra audiovisual escapava à vigilância imposta pelos diversos ministérios do governo autoritário. Tal coisa, evidentemente, não acontece no Brasil. No nosso país, cerca de 84% da população, em 2023, já tinha acesso à internet, que contém provavelmente o maior acervo de livros, artigos, colunas e vídeos com diversas reflexões intelectuais de todas as visões de mundo possíveis. Claro, o preço de alguns desses conteúdos pode ser alto (os livros são claramente um exemplo disso, mesmo cópias digitais chegam a 30-40 reais), mas, mesmo assim, seria realmente uma questão econômica esse tipo de conteúdo mais intelectualmente estimulante não ser consumido? Ou será que o brasileiro prefere gastar seu dinheiro em outras coisas? Isso sem falar nos diversos meios antiéticos que as pessoas usam para consumir outros tipos de conteúdo na internet e não usam para consumir livros.

Seria o nosso problema realmente apenas culpa dos governantes? Até que ponto podemos culpar o outro pelos nossos problemas? Winston, o protagonista da obra, um dos membros do partido, vivia sob extrema vigilância de seus superiores e ansiava por procurar alguma obra ou relíquia que falasse de um passado que não aquele descrito por seus dominadores. Será que nos falta um anseio por uma melhora de fato? Será que apenas somos preguiçosos? Será que somos fadados ao fracasso?

Por mais que eu não gostaria de dizer isso, tudo indica que sim, que somos fadados ao fracasso. No romance de Orwell, o partido constantemente apaga e muda os registros do passado para mostrar o quão melhor o presente momento estava sendo para a população. Enquanto obviamente esses textos eram mentiras e o passado havia sido sim melhor, o que dizer sobre o Brasil?

Vamos pegar alguém que tem 100 anos hoje. Essa pessoa viveu na ditadura varguista, passou pelos governos populistas governados pelas mesmas oligarquias de sempre (incluindo o retorno de Vargas, que é no mínimo cômico), a ditadura militar e a nova república, que se tornou uma verdadeira piada, mesmo para o mais otimista de nós. Você pode fazer esse experimento por todas as gerações do último século; o prognóstico é o mesmo: estagnação econômica, recessão econômica ou progresso econômico pequeno a custos muito altos. Chegamos, então, na geração Z, a mais bem informada até o presente momento. Vendo os resultados do passado, o que resta para esses jovens? Se todo o passado realmente indicava condições ruins, o que esperar do futuro? Resta trabalhar até o fim da vida para uma melhora de vida que não virá? Fazer uma faculdade para ingressar num mercado extremamente desafiador e cansativo para continuar vivendo num país tomado pelo tráfico e crime organizado?

A nossa sociedade não é uma sociedade que tem somente um problema educacional, de segurança ou econômico, sofremos com uma verdadeira crise de espírito. Não nos falta acesso a bons conteúdos, nos falta vontade de lê-los. Não houve necessidade nenhuma de nossas elites oligarcas, que nos dominam há séculos, apagarem os registros históricos ou censurarem obras que abririam os olhos da população; afinal, para que? Nós mesmos deixamos as livrarias fecharem.

Claro, eu seria muito desonesto se só apontasse o dedo para a população. Existem, sim, pessoas que trabalham cargas horárias tão absurdas que tornam isso muito difícil, há pessoas que vivem em situações tão extremas de pobreza que não têm acesso estável à rede Wi-Fi nem a celulares com uma qualidade razoável.

Mas, se a nossa situação econômica é tão ruim assim, por que os mercados de álcool, futebol e apostas crescem tanto? E aí que chegamos ao motivo de ter colocado aquela frase no início da coluna. Os proletários na obra de George Orwell compõem cerca de 80% da população da Oceânia; eles são os únicos que têm completa liberdade para fazer o que quiserem, afinal estão ocupados demais bebendo, assistindo jogos e apostando na loteria. Te lembra algo?

Não preciso provar para ninguém o quão pujantes estão esses mercados e, claro, não há nada inerentemente ruim em consumir uma dessas coisas ou mesmo engajar nas três. A questão é: o quanto está sendo gasto e quem está gastando nesses produtos? Veja bem, que esses mercados têm tomado uma parcela significativa dos salários já baixos das classes mais pobres da população não é novidade para ninguém, basta ver os escândalos que foram os alunos de ensino médio gastando dinheiro do pé-de-meia em apostas do tigrinho, pais gastando o salário mínimo cheio em casas de aposta e, além disso, uma média altíssima de consumo de álcool, chegando a dois litros a mais que a média mundial, o que também compromete a renda salarial para uma população que já ganha muito mal.

Para você, caro leitor, deixo uma provocação: A situação do Brasil é crítica. Existe uma quantidade extremamente pequena de pessoas que pararam para pensar sobre como está o Brasil de fato. Não precisa ser um gênio para ver que a nossa situação é muito pior do que uma mera crise política, moral ou econômica; é uma crise espiritual. Não adianta nada todos nós ansiarmos por um país melhor ou por libertação das antigas elites que sugam o nosso país, se mais de metade da população sequer está consciente dessa realidade. E agora? O que podemos fazer para mudar essa situação? Vamos tentar trazer luz a uma população que se recusa a abrir os olhos ou vamos simplesmente desistir de tentar?

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