Leitor, o texto de hoje, similar aos outros que escrevi, vai trabalhar inicialmente uma situação clara e específica para depois destrinchar um problema maior. E, antes que pense isso, não vai ser um texto falando os jargões clássicos da direita conservadora — hoje chamada até de neoconservadora, assunto para uma próxima vez — como “ah, é um absurdo a doutrinação e sei lá o que”. Sim, isso é um problema, mas é bem menor do que estou propondo a falar hoje.
Esse tipo de conteúdo barato, que já até perdeu a graça mesmo nos espaços da direita, foi explorado de forma exímia pelo comentarista Matt Walsh, que fez um documentário com o mesmo nome deste texto: “What is a woman?” e, ao assistir o conteúdo, perpassando da parte óbvia que é o quão ridícula é a incapacidade das pessoas de darem a resposta clara e óbvia, escancara um problema maior que afeta muitas áreas do pensamento: o controle da linguagem.
A Linguagem Como Campo de Batalha Ideológico
Não é de hoje que a linguagem se tornou um campo de batalha ideológico. Orwell, em 1984, já nos alertava sobre o “Novafala”, um idioma criado pelo regime totalitário para limitar o pensamento e eliminar conceitos indesejáveis. “A guerra é paz. A liberdade é escravidão. A ignorância é força.” Essas contradições deliberadas serviam para confundir e controlar. Hoje, vemos uma tentativa de impor essa realidade distópica no nosso dia a dia.
De forma quase que natural, os discursos progressistas tomaram a maioria dos espaços de poder formalmente estabelecidos com nenhuma ou pouquíssima resistência por seus integrantes, e a influência linguística desses ativistas que pouco se preocupam com problemas reais — só lhes importa a agenda — claramente já atingiu um estado muito avançado de integração na sociedade. Universidades, grandes corporações, organizações internacionais e até mesmo instituições governamentais adotaram essa nova linguagem sem qualquer debate público significativo ou consideração pelas implicações profundas dessa mudança.
Veja bem, no espaço de trabalho e de estudos que você e seus conhecidos frequentam, quantas mudanças sutis na linguagem não estão acontecendo de forma imperceptível? Dizer “todos e todas” ao invés de só “todos”, que é o acordado pela nossa língua? Uma diminuição de pronomes masculinos e femininos em troca de uma linguagem mais neutra? Em casos mais raros, até mesmo a inclusão da não-binariedade na linguagem ou até mesmo os termos “cis” e “trans”. Essas alterações não são meras questões de cortesia ou inclusão — são parte de uma estratégia deliberada para remodelar a forma como pensamos sobre categorias fundamentais da existência humana.
Trago ênfase para o termo “cis”, pelo simples motivo de que, qual a necessidade de um novo nome para designar pessoas que não têm nenhuma divergência no que tange seu sexo? Basta usar homem e mulher, ou agora todos podem trocar de sexo livremente? Ser homem e ser mulher se reduziu a uma questão de identificação, somente? Deixamos o discurso avançar tanto que a resposta pra essas duas coisas se tornou um incontestável sim, o que é no mínimo assustador.
A introdução desse termo não é inocente. Ao criar a categoria “cisgênero”, estabelece-se uma falsa equivalência entre o padrão e o excepcional, entre o padrão biológico e a disforia. É como se precisássemos de um termo específico para designar pessoas que não têm seis dedos ou que não possuem duas cabeças. A normalidade biológica passa a ser tratada como apenas mais uma “identidade” entre tantas outras possíveis, todas igualmente válidas e intercambiáveis.
Ouso dizer contra esse tipo de discurso, tendo em vista que a experiência de um homem na vida e a experiência de uma mulher na vida são coisas completamente diferentes, e enxergo como uma falta de respeito a todos que vieram antes de nós e aos homens e mulheres valorosos que vivem entre nós nos dias de hoje. Permitimos que a definição de coisas claras e óbvias se tornassem subjetivas, eis o relativismo em ação.
O Absurdo Lógico e Prático do Relativismo de Gênero
O problema é que essa filosofia, quando aplicada às categorias biológicas fundamentais como homem e mulher, leva a um absurdo lógico e prático. Se tudo é construção social, se não há realidade objetiva além do discurso, então por que não poderia eu me identificar como uma mulher hoje, um homem amanhã, e talvez um gato na próxima semana? Quais são os limites? E quem os define?
A biologia, que por milênios serviu como base para nossa compreensão do que é um homem e do que é uma mulher, agora é descartada como irrelevante ou, pior, como opressiva. Cromossomos, hormônios, órgãos reprodutivos — tudo isso é secundário diante do supremo poder da “identidade de gênero”, um conceito tão nebuloso e subjetivo que desafia qualquer tentativa de definição clara.
Relativiza-se, então, os conceitos de homem e mulher em prol dessa agenda nefasta, mas esse é apenas o início do trabalho deles. A ideia é criminalizar o discurso contrário, vilanizar quem busca definições claras e rejeita a relativização de termos tão simples quanto homem e mulher.
Já vemos isso acontecendo em países como Canadá e Reino Unido, onde pessoas foram processadas, perderam empregos ou foram socialmente ostracizadas por simplesmente afirmarem que mulheres são fêmeas adultas humanas. O professor Jordan Peterson ganhou notoriedade internacional justamente por se opor a uma lei canadense que, segundo ele, o obrigaria a usar pronomes preferidos sob pena de sanções legais. Não estamos falando de um futuro distante ou hipotético — isso já está acontecendo.
E as consequências vão além da censura e da perseguição. Estamos vendo homens biológicos competindo em esportes femininos, entrando em espaços exclusivos para mulheres como banheiros e vestiários, e até mesmo sendo transferidos para prisões femininas após se declararem mulheres, muitas vezes sem qualquer alteração física ou hormonal. As vítimas reais dessas políticas são, ironicamente, as próprias mulheres que o movimento progressista alega defender.
O Cenário Brasileiro e a Importância da Clareza Conceitual
Isso é um problema grande para o cenário brasileiro? Não, longe disso — pelo menos não tanto quanto outros. Nosso país enfrenta desafios muito mais urgentes e concretos: violência endêmica, corrupção sistêmica, desigualdade social abissal, educação precária, o crime organizado. Mas seria ingenuidade acreditar que estamos imunes a essas tendências globais.
As universidades brasileiras já importaram grande parte desse discurso. Departamentos de humanidades, especialmente nas instituições mais prestigiosas, frequentemente reproduzem acriticamente teorias e conceitos desenvolvidos nos campi americanos e europeus, sem considerar sua aplicabilidade ou relevância para nossa realidade. E a mídia, sempre ávida por parecer “progressista” e “atual”, amplifica essas vozes, apresentando-as como consenso científico ou moral.
Vale lembrar que todo regime de controle começa na mente dos controlados. Primeiro, controla-se a linguagem. Depois, o pensamento. Por fim, o comportamento. Como nos ensinou Orwell, se você não pode dizer algo, eventualmente você não conseguirá nem mesmo pensar nesse algo. E se você não pode pensar, não pode resistir.
Por que essa questão aparentemente semântica é tão importante? Porque a linguagem não apenas reflete nossa realidade — ela a molda. Quando perdemos a capacidade de definir claramente o que é uma mulher, perdemos também a capacidade de proteger os direitos das mulheres como categoria específica com necessidades e vulnerabilidades específicas.
Como podemos combater a violência contra a mulher se não sabemos mais o que é uma mulher? Como podemos garantir representatividade feminina se qualquer um pode se declarar mulher? Como podemos estudar diferenças médicas entre os sexos — cruciais para tratamentos adequados — se o próprio conceito de sexo biológico é considerado “problemático”?
A clareza conceitual não é apenas uma questão acadêmica ou filosófica. Tem implicações práticas profundas para políticas públicas, direitos civis e até mesmo para a saúde e segurança das pessoas.
A Liberdade de Pensar e Dizer o Óbvio
Não se deixe levar pelos discursos de uma minoria intelectual que é extremamente barulhenta e apenas busca nos afastar de problemas reais e nos dividir entre aqueles que são morais e respeitosos e os inimigos a serem combatidos. Essa tática de divisão — rotular qualquer discordância como “fobia”, “ódio” ou “intolerância” — serve apenas para silenciar o debate necessário sobre questões fundamentais.
A verdadeira compaixão não está em negar a realidade biológica ou em promover confusão conceitual. Está em reconhecer a dignidade inerente de cada ser humano, independentemente de como se identifica, sem sacrificar a verdade no altar da ideologia. Pessoas que experimentam disforia de gênero merecem respeito, dignidade e tratamento adequado — mas isso não requer que abandonemos definições claras e distinções significativas.
Na dúvida em contra quem se opuser, a recomendação que deixo para você, leitor, é que nunca se alie a quem busca te controlar. Seja livre. E a liberdade começa com a liberdade de pensar claramente, de chamar as coisas pelo seu nome, de reconhecer a realidade como ela é — não como alguns gostariam que fosse.
Afinal, se não podemos mais dizer o que é uma mulher, o que mais não poderemos dizer amanhã? E o que não poderemos pensar depois de amanhã? A defesa da clareza conceitual e da liberdade de expressão não é uma questão de direita ou de esquerda — é uma questão de preservação da própria possibilidade de pensamento racional e debate honesto em uma sociedade livre. Você acredita que hoje, no pacto social vigente, posso registrar nesse texto tudo o que penso sobre o assunto?
Que possamos recuperar a coragem de dizer o óbvio, mesmo quando o óbvio se tornou controverso. Sobretudo, que lutemos para que a lei permita que o óbvio que seja dito. Porque, citando o clássico romance distópico pela última vez, “em tempos de engano universal, dizer a verdade é um ato revolucionário”.