O Plano de Trump: O Ato de supremacia dos EUA e o Fim da Democracia Liberal
Em 1534, um evento singular alterou profundamente a trajetória da história inglesa e mundial: a promulgação do Ato de Supremacia por Henrique VIII. Através dessa legislação, o Parlamento conferiu ao monarca a autoridade para usufruir de “todas as honras, dignidades, proeminências, jurisdições, privilégios, autoridades, imunidades, lucros e comodidades para a referida dignidade”. Em essência, o rei concentrou em suas mãos um poder quase absoluto sobre a Inglaterra, uma das principais potências do século XVI. Um dos legados mais significativos desse período foi a fundação da marinha real inglesa, que se tornaria um pilar fundamental para a ascensão da Inglaterra como uma formidável potência militar nos séculos subsequentes.
De maneira análoga, o Partido Republicano sob a liderança de Donald Trump parece buscar uma reconfiguração do poder nos Estados Unidos. Com expressiva influência no Congresso, no Senado e em governos estaduais, há uma tentativa de posicionar os EUA de forma similar à Inglaterra de Henrique VIII, priorizando a soberania nacional e um poderio militar robusto. O slogan “Make America Great Again” e as políticas associadas a esse movimento sinalizam uma intenção de recolocar os Estados Unidos no centro da atenção global e como principal força militar.
Para contextualizar essa mudança, é útil recordar o cenário pós-Segunda Guerra Mundial. Diferentemente de outros momentos históricos em que uma potência vitoriosa subjugava as demais, os Estados Unidos, detentores de um poderio militar funcionalmente global, optaram por uma abordagem distinta. Em vez de anexar territórios ou transformar nações em colônias, os EUA possibilitaram a reconstrução de seus aliados, oferecendo auxílio econômico nesse processo. Desse contexto emergiu a ordem democrática liberal que conhecemos, caracterizada pela cooperação internacional, respeito às fronteiras e um período de relativa paz sem precedentes na história humana. A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) também se insere nesse contexto, estabelecendo uma autoridade internacional com o objetivo de guiar o futuro da humanidade.
Contrariamente a essa visão de cooperação, o movimento MAGA e facções mais extremistas da direita americana, como a America First (AF) liderada por Nicholas J. Fuentes, demonstram desdém por essa postura, mesmo que raramente mencionem diretamente esse período histórico. Essa ala da direita americana critica a decisão de líderes passados de subordinar a soberania e a supremacia dos EUA à defesa da democracia e da colaboração global, representando uma potencial ameaça à ordem internacional vigente.
O cenário global contemporâneo, marcado pela imposição de tarifas comerciais pelo governo americano, aponta para uma direção divergente daquela estabelecida no pós-guerra. Na Europa, líderes de diferentes espectros políticos, como Emmanuel Macron e a Alemanha com seu aumento nos gastos militares, começam a discutir a soberania europeia, antecipando um possível enfraquecimento ou redução do financiamento da OTAN em um contexto de tensões com a Rússia de Vladimir Putin.
Independentemente da avaliação sobre a conveniência ou não dessa mudança, torna-se evidente que o ressurgimento do nacionalismo em detrimento do liberalismo prenuncia uma nova realidade global. O modelo democrático liberal, embora idealizado como um sistema benéfico para a humanidade, enfrenta desafios de sustentabilidade.
A dificuldade reside em manter a coesão interna em democracias ocidentais marcadas pela polarização e fragmentação ideológica, enquanto se confrontam potências com coesão e unidade interna robustas, como China e Rússia. Enquanto o Ocidente se concentra em direitos individuais, democracia e questões sociais, nações menos democráticas priorizam o fortalecimento dos laços nacionais – por vezes de maneira coercitiva – e a expansão de seu poderio militar e ideológico no cenário mundial.
O trumpismo, enquanto movimento político, atentou para essa dinâmica e busca reposicionar os Estados Unidos como uma nação mais nacionalista e voltada para seus próprios interesses, colocando a América em primeiro lugar. O objetivo parece ter se deslocado da figura de um aliado forte que protege seus parceiros para a de uma nação que prioriza seus próprios interesses e forma alianças apenas quando lhe é conveniente. Ficam as reflexões: o que isso significa para nós, brasileiros? O futuro da humanidade caminha para um lugar melhor ou pior? Nos resta aguardar.