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Neoconservadorismo – A Direita Establishment e a Falsa Revolução

|ㅤ2 de julho de 2025
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Neoconservadorismo – A Direita Establishment e a Falsa Revolução

Neoconservadorismo: A Direita Establishment e a Falsa Revolução no Brasil

Hoje proponho uma análise sobre a gênese, crescimento e queda da direita como algo novo, revolucionário e contracultura no cenário brasileiro. É quase um consenso político hoje, mesmo entre figuras à esquerda, de que aquilo que era considerado a esquerda ideológica, englobada pelo PT e partidos da mesma época nos anos 80-90, se tornou, para o bem ou mal, parte do sistema, e o fenômeno, como se pode ver hoje, não se restringiu apenas à ala esquerdista.

Alas novas, mais radicais da esquerda, sabem que esses partidos e agremiações são incapazes de promover projetos de esquerda de forma séria e compromissada, servindo, de certa forma, como ala auxiliar do centrão, que é um problema que assola o PT de forma estrutural desde que assumiram a presidência da república em 2003. Preza-se pelo pragmatismo – que não necessariamente é ruim –, mas a ideologia se foi completamente e, como base eleitoreira, resta agremiar pessoas pouco educadas, carentes de uma melhora de vida que nunca chega e que buscam uma figura paterna para as liderar.

Uma prova clara disso é a inexistência de sucessão ou quadros novos por parte dessa esquerda que concentra boa parte dos mandatos hoje e, de forma quase que contraditória, a direita perde muito com a esquerda deixando de lado sua ala ideológica. A esquerda se tornando parte do sistema – também chamado de establishment – afasta a imagem real das políticas públicas as quais acreditam os esquerdistas, que defendem coisas muito radicais, desde o fim da polícia à revolução armada. Devido a esse afastamento, tanto para a população como para grandes empresários ou entes internacionais, a esquerda se torna, de certa forma, razoável.

Esse processo de “razoabilização” da esquerda institucional criou um vácuo político que seria posteriormente ocupado por movimentos mais radicais, tanto à esquerda quanto à direita. À esquerda, vimos o surgimento de movimentos como o PSOL no Brasil. À direita, assistimos ao crescimento de movimentos nacionalistas, populistas e anti-establishment que culminariam, no caso brasileiro, com a eleição de Jair Bolsonaro.

Antes de seguir, vamos voltar um pouco no tempo: para a ditadura militar. No regime militar, a esquerda era a grande partícipe nos movimentos pela democracia e, talvez, o bloco mais importante para a queda do regime e, mesmo com seus métodos pouco pacíficos, de certa forma conseguiram êxito, ao desconsiderar a moralidade de suas ações. A partir desse momento, a luta foi chegar ao poder. A nação não compadecia com a esquerda. A esquerda era o movimento contracultura, o diferente, o distante, isso enquanto elegíamos figuras que se apresentavam como de centro ou centro-direita, como Collor e FHC.

Sabe-se que, nesse período, haviam diversas campanhas políticas contra o discurso liberal e tentaram rotular Fernando com esse rótulo, que mesmo não colando, o discurso anti-liberal evidentemente não parava de crescer. Cardoso, com o plano real e sua enorme influência no congresso nacional, consegue a criação da reeleição e vence, sendo o primeiro presidente da nova república a adquirir um segundo mandato.

Com a falta de lideranças à altura, adiante, o PT toma o poder. Por 14 anos seguidos. E, por mais que isso devesse significar uma grande vitória para o bloco e finalmente os ideais deles e as suas formas de pensar seriam executados em um governo ideologicamente alinhado, aconteceu o oposto. A esquerda começou a governar junto e para as elites vigentes e, gradualmente, a esquerda foi lentamente se fragmentando, mesmo enquanto mantinham a unidade na hora de eleger um governo federal, mais e mais alas foram aparecendo, com o PSOL sendo um exemplo claro disso.

A “Carta ao Povo Brasileiro”, divulgada por Lula durante a campanha de 2002, já sinalizava essa capitulação ideológica. Nela, o futuro presidente comprometia-se a respeitar contratos, manter a estabilidade econômica e não romper com o modelo macroeconômico vigente. Era o preço a pagar para acalmar o mercado e viabilizar sua eleição. Uma vez no poder, o PT adotou uma estratégia que poderia ser chamada de “reformismo fraco”: pequenas medidas sociais sem alterar as estruturas fundamentais de poder econômico e político.

Inicia-se, após mais de uma década, a revolução direitista em todo esse clima de dominação quase que hegemônica por parte da esquerda. Mesmo com divergências e cisões, a esquerda se mantinha unida, mas nada podia os deixar preparados para a revolução que viria – Lava Jato, olavismo, MBL, Vem Pra Rua, movimento anticorrupção, ascensão da direita global, e, por fim, Bolsonaro.

Essa “revolução conservadora” brasileira não surgiu do nada. Ela se insere em um contexto global de reação ao consenso liberal-progressista que dominou o Ocidente nas décadas anteriores. Brexit no Reino Unido, Trump nos EUA, Orbán na Hungria, Meloni na Itália, AfD na Alemanha – em todo o mundo ocidental, forças nacionalistas, tradicionalistas e anti-globalização ganhavam terreno.

No Brasil, essa onda encontrou terreno fértil em uma população desiludida com a política tradicional, traumatizada pela violência urbana crescente, e chocada com os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. A crise econômica que se instalou a partir de 2014, com recessão, desemprego e queda na renda, completou o cenário perfeito para uma ruptura política.

Não tem como minimizar todo esse processo, que foi verdadeiramente revolucionário. A queda da presidente Dilma pode ser equiparada à cabeça cortada de Luís XVI, só que quem foi decapitado dessa vez foi o partido dos trabalhadores e seus aliados. Um parlamento direitista, um governo direitista, uma aliança natural com o governo americano liderado por Donald Trump, desde os liberais aos reacionários unidos para um projeto de governo, tudo parecia uma belíssima revolução, o país seria virado do avesso.

A verdadeira mudança iniciava. Uma transformação profunda das estruturas sociais, econômicas e políticas brasileiras. Isso significaria enfrentar privilégios históricos, reformar instituições disfuncionais, acabar com o crime organizado, armar a população, menos impostos, menos bolsas, menos gastos, destruir a corrupção. Exceto que nada disso aconteceu. Como várias vozes dissidentes logo apontaram, foi tudo entregue nas mãos de uma mentira, uma farsa, uma bravata. A revolução se encerrou no 1 de janeiro de 2019, quando Bolsonaro subiu a rampa do planalto. O governo logo entregou tudo para o centrão, por mera conveniência. É muito melhor se aliar a quem tem poder e dinheiro há décadas do que jogar contra estes, é muito mais fácil se ater ao discurso meramente ideológico que agrada o povão do que apresentar reformas de fato, e assim foi feito.

Essa rendição ao centrão não foi acidental, mas estrutural. O sistema político brasileiro, com sua excelente forma de democracia, faz com que qualquer governante tenha de negociar com o bloco fisiológico que controla o Congresso. Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro – todos, sem exceção, tiveram que ceder a esse arranjo. A diferença é que Bolsonaro havia prometido explicitamente romper com essa lógica (“acabar com o toma-lá-dá-cá”), tornando seu governo uma verdadeira traição para todos que o apoiaram.

A entrega de ministérios e cargos estratégicos para políticos tradicionais do centrão, a nomeação de um inepto para o Supremo Tribunal Federal, o abandono da agenda anticorrupção, a manutenção de programas sociais petistas (apenas rebatizados) – tudo isso demonstrou que, apesar da retórica revolucionária, o governo Bolsonaro rapidamente se acomodou às estruturas de poder existentes.

Mesmo a política econômica, supostamente o grande diferencial do governo com Paulo Guedes à frente, mostrou-se muito mais tímida e convencional do que o prometido. A reforma da previdência, embora importante, foi muito menos ambiciosa que o projeto original. A reforma administrativa não saiu do papel. A reforma tributária nem foi proposta seriamente. As privatizações foram pontuais, longe do baque liberal prometido.

O universo conservador se reduziu a uma glorificação desvairada do presidente, dos Estados Unidos, de Israel somado a uma mistura de cristianismo e coachismo. Isso se tornou o conservadorismo ou, como eu e outras vozes dissidentes preferem chamar – neoconservadorismo. Não há de se negar de que essas pessoas e grupos estão no campo da direita, mas, de forma inegável, também, eles não podem ser chamados de conservadores de forma alguma.

O termo “neoconservadorismo”, acredito eu, deve ser o mais apropriado aqui para a nossa situação – pela falta de um termo único que explique a situação da direita brasileira – embora com um sentido diferente do original americano. No Brasil, o neoconservadorismo representa uma apropriação superficial e distorcida de ideias conservadoras clássicas, transformadas em slogans simplistas e desconectados de sua profundidade filosófica original.

Edmund Burke, considerado o pai do conservadorismo moderno, defendia mudanças graduais e orgânicas, respeitando tradições e instituições testadas pelo tempo. Russell Kirk, grande pensador conservador americano, enfatizava a importância da ordem, da continuidade histórica e da prudência política. Roger Scruton, filósofo conservador britânico, valorizava a alta cultura, as comunidades locais e a preservação ambiental. Nada disso encontra eco no neoconservadorismo brasileiro, que se resume a um nacionalismo ufanista, uma religiosidade superficial e uma adoração acrítica a líderes carismáticos.

Conservadorismo pressupõe justa medida, ponderação, livre pensamento e questionamento das lideranças, não aceitação cega do que vem do líder supremo. E, como podemos ver agora, a verdade pouco importa frente à massa impensante que busca apenas ter os seus no poder.

O verdadeiro conservadorismo é, em sua essência, cético quanto ao poder centralizado e às soluções simplistas para problemas complexos. O neoconservadorismo brasileiro, ao contrário, abraça o culto à personalidade, a polarização social e o desprezo pelas instituições intermediárias que tradicionalmente limitam o poder do Estado. Sua relação com a verdade factual é, no mínimo, problemática, com a proliferação de teorias conspiratórias e “fatos alternativos” que substituem o debate racional por narrativas emocionais convenientes.

Nessa situação, um novo jogo se pinta no cenário nacional, frente às evidentes faltas de compromisso com os ideais dos vários líderes direitistas brasileiros; Bolsonaro, por sua vez, se enfraquece diante das suas contradições e cada vez mais o público de direita busca por uma terceira via. Alguém que seja capaz de entregar a revolução que foi prometida desde 2014. Quem quer que entregue essa revolução, uma destruição clara e bruta da corrupção, do crime organizado, um ataque direto às elites vigentes, pode esperar um apoio popular jamais antes visto. Cabe a nós, através de nossa democracia, decidir se isso acontecerá ou não.

O cenário internacional é, de fato, crucial para entender as dinâmicas da direita brasileira. O movimento conservador global está em plena transformação, com tensões crescentes entre diferentes correntes, o que inclui o governo Trump. De forma análoga, a direita americana e o partido republicano racham diante da decisão de Trump de bombardear o Irã aparentemente por motivo nenhum, salvo um apoio incondicional a Israel, que o lobby sionista americano se esforça para manter.

A questão do Oriente Médio é particularmente reveladora dessas contradições. O apoio incondicional a Israel, tradicional posição dos americanos, revela a falta de compromisso com a paz demonstrada na campanha presidencial do republicano. No Brasil, o alinhamento automático com Israel adotado por Bolsonaro representou uma ruptura com a tradicional política externa brasileira de equidistância no conflito árabe-israelense, sem que houvesse qualquer ganho estratégico claro para o país.

A busca por uma “terceira via” dentro da direita brasileira reflete essa crise de identidade. Nem o bolsonarismo raiz, com seu culto à personalidade e suas tendências autoritárias, nem o liberalismo econômico desconectado das questões sociais parecem capazes de oferecer um projeto convincente para o país. O espaço está aberto para novas sínteses políticas que possam combinar elementos conservadores autênticos com respostas efetivas para os problemas brasileiros.

Então fica a pergunta: mais compensa aceitar uma direita meia boca ou, de forma mais honesta, buscar o radicalismo verdadeiro que foi prometido? A desmantelação do crime organizado, das malditas elites políticas e financeiras que nos regem, vai se dar de qual forma? Até quando o pragmatismo puro e simples vale a pena? São questões que apenas o futuro irá nos responder.

O problema fundamental é que o radicalismo prometido nesse período que passou, embora emocionalmente atraente, raramente se traduz em políticas públicas efetivas quando confrontado com a complexidade da realidade.

A “desmantelação do crime organizado” exigiria não apenas vontade política, mas reformas profundas no sistema de justiça criminal, nas polícias, nas prisões e nas condições sociais que alimentam a criminalidade. O “ataque às elites políticas e financeiras” precisaria definir claramente quem são essas elites e quais mecanismos legítimos e democráticos poderiam ser usados para limitar seu poder.

O verdadeiro desafio é construir uma direita intelectualmente sólida, moralmente coerente e politicamente eficaz – uma direita que possa oferecer ao Brasil um projeto de nação que combine os valores tradicionais com abertura à modernidade, soberania nacional com participação sábia no cenário internacional e, claro, a vontade real de propor mudanças radicais sem medo de enfrentar adversários poderosos.

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