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Gaza – A Tragédia que o Mundo Escolheu Ignorar

O conflito atual representa mais do que uma guerra: é uma tragédia em Gaza transmitido em tempo real, diante da omissão global.

O conflito atual representa mais do que uma guerra: é uma tragédia em Gaza transmitido em tempo real, diante da omissão global.

A história jamais é neutra

Ela observa, registra, repete — e cobra. O que se desenrola diante de nossos olhos em Gaza ultrapassa os limites de qualquer confronto bélico ou disputa territorial. Não é guerra — é calamidade. Uma hecatombe humana arquitetada sob o verniz da segurança e regada pela indiferença fria de um mundo que se diz civilizado, mas assiste em silêncio ao colapso da dignidade. É o apocalipse vestido de diplomacia, a barbárie legitimada pelo poder e pela omissão.

Depois do ataque brutal do grupo extremista Hamas em 7 de outubro de 2023 — que matou cerca de 1.200 civis israelenses e resultou no sequestro de 250 pessoas —, o governo israelense lançou uma ofensiva pesada. Desde então, o número de mortos já passa das dezenas de milhares. Só que os dados oficiais talvez não contem a história toda.

Segundo estimativas da respeitada revista médica The Lancet, o número real de vítimas pode ser muito maior — chegando a mais de 64 mil, se forem considerados também os mortos por ferimentos e traumas indiretos. É um abismo entre os números divulgados e a realidade. No fim das contas, é isso: cada estatística representa uma vida interrompida. E cada uma delas tem um nome, uma história, uma ausência.

De acordo com um recente relatório do UNICEF, mais de 50 mil crianças foram mortas ou mutiladas em Gaza desde o início da ofensiva — uma estatística que grita em meio ao silêncio do mundo.

Em apenas três dias, os bombardeios sobre Khan Younis e a Cidade de Gaza transformaram dezenas de infâncias em ausência, entre elas, membros da família al-Najjar e alunos de uma escola atingida por mísseis. O colapso de hospitais, escolas e redes de abastecimento de água não apenas agrava a tragédia — ele a transforma em um massacre institucionalizado da esperança. A agência clama por cessar-fogo e acesso humanitário irrestrito, mas sua voz ecoa no deserto da diplomacia global.

Hospitais estão sobrecarregados, anestésicos acabaram, médicos doam seu próprio sangue para salvar feridos. Escolas, clínicas e campos de refugiados são alvos recorrentes. A vasta maioria dos que tombam sob os escombros são civis indefesos — mulheres, anciãos, crianças. Gaza transformou-se numa cela sem muros, onde mais de dois milhões de almas sobrevivem confinadas entre o medo e a escassez.
Sem água para saciar a sede, sem luz para iluminar a escuridão, sem teto que abrigue a esperança — e, sobretudo, sem voz para clamar por socorro ao mundo que escolheu não ouvir. Enquanto o sofrimento se amplia, o mundo dita seu silêncio. Pior: relativiza.

Em 4 de junho de 2025, os Estados Unidos — aliados históricos de Israel — vetaram no Conselho de Segurança da ONU mais uma proposta de cessar-fogo imediato e incondicional, que também previa acesso humanitário pleno à região. O argumento? A segurança de Israel. Mas qual segurança se conquista soterrando crianças sob escombros? Como justificar o bombardeio de escolas da ONU, hospitais e abrigos superlotados? O discurso israelense repete: “os terroristas se escondem entre civis”, “é guerra”, “não há escolha”. Mas há sempre escolha.

Quando uma potência militar com drones, satélites e mísseis guiados opta por lançar bombas sobre tendas humanitárias — como em Rafah, no fim de maio, matando ao menos 45 civis — não é acidente. É estratégia. É política de terra arrasada. É genocídio transmitido ao vivo.

Israel tem — e sempre teve — alternativas. Meu compromisso com a verdade exige deixar claro: não defendo o Hamas. O terrorismo de 7 de outubro foi hediondo e merece condenação. Mas usar esse ato para justificar a destruição de um povo inteiro é imoral. Israel poderia ter criado corredores humanitários viáveis, conduzido operações cirúrgicas contra alvos específicos, investido em inteligência e permitido o ingresso de ajuda humanitária. Mas preferiu destruir. E os seus aliados continuaram financiando armas, vendendo mísseis e fechando acordos bilionários.

A violência indiscriminada nunca trouxe paz duradoura a ninguém. Ao contrário: ela planta ódio e cultiva vingança. A comunidade internacional tem o dever moral de romper esse ciclo, pressionando por soluções que respeitem os direitos humanos e a dignidade dos povos.

Além da destruição visível, há interesses invisíveis

Israel tem ambições econômicas relevantes na Faixa de Gaza, principalmente ligadas às reservas de gás natural offshore conhecidas como Gaza Marine, descobertas em 2000. Inicialmente licenciadas à British Gas pela Autoridade Palestina, essas jazidas foram engavetadas após o Hamas tomar o poder em 2007 e Israel se recusar a negociar. Desde então, o controle energético da região virou um jogo geopolítico.

Israel busca expandir sua influência no mercado internacional de gás, com olhos voltados à Europa. Em 2022, firmou um memorando de entendimento com Egito e União Europeia para exportar gás por meio do território egípcio, em resposta à crise energética provocada pela guerra na Ucrânia. O campo de Leviathan, um dos maiores do país, é peça-chave nessa equação — com planos de expansão e exportação direta ao velho continente.

Essas disputas por gás natural, somadas ao isolamento político de Gaza, revelam que a tragédia humanitária é também um projeto de dominação territorial e econômica. A limpeza étnica serve a propósitos estratégicos — e isso precisa ser dito.

Não podemos fingir que não vemos

Gaza é o espelho mais trágico de um sistema de apartheid institucionalizado há décadas.
Bairros israelenses com água encanada, energia elétrica e hospitais de ponta convivem lado a lado com vilarejos palestinos cercados, sem direito a perfurar poços, sem liberdade de circulação, sem qualquer autonomia.

Tanto a Human Rights Watch quanto a Amnesty International já afirmaram com todas as letras: Israel é um regime de apartheid.
Leis diferentes para judeus e árabes, políticas sistemáticas de segregação e colonização, controle do nascimento à morte.

Enquanto a Europa chora por Kiev, silencia sobre Gaza.
Os mesmos editoriais que pediam liberdade aos ucranianos, hoje falam em “legítima defesa” quando famílias inteiras são apagadas por bombas americanas lançadas por aviões israelenses.

A moral internacional foi rasgada

A empatia se tornou seletiva. Os direitos humanos viraram privilégios de alguns. Quando a guerra terminar — porque ela vai terminar —, virão as comissões, os relatórios, os escombros fotografados, as crianças mutiladas.
E então os que hoje se omitem dirão:

não sabíamos”.

Mas sabiam. O sangue correu em tempo real, no Twitter, no YouTube, nos portais do mundo. Os gritos ecoaram — e foram ignorados. Este não é um texto pró-Hamas. É um texto pró-vida. Pró-história. Pró-memória.

Porque quem não se indigna diante de um genocídio em tempo real, perdeu o próprio coração.
E quando a história virar a página, ela lembrará de quem escolheu o lado dos que bombardearam escolas em nome da segurança.

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