Epidemia de Falsos Intelectuais: Quanto Mais o Ego Fala, Menos a Mente Escuta
Caro leitor, e se a verdadeira sabedoria não estivesse na exibição do intelecto, mas na arte de se ocultar por trás da simplicidade? Vivemos em uma era onde a inteligência virou espetáculo. Onde pensar se transformou em performance e onde até o silêncio precisa ter justificativa. Cada frase é pensada como se fosse um duelo de erudição. Cada opinião, uma tentativa de provar quem é o mais brilhante na sala. Mas será que essa obsessão pelo brilho intelectual não nos afasta, justamente, da luz? Arthur Schopenhauer, filósofo inquieto e desconfortável para os acomodados, compreendia uma verdade que poucos ousam encarar: às vezes, a ignorância aparente é a mais refinada forma de sabedoria. Fingir não saber pode ser uma forma de ver mais. E de ver melhor.
Ser considerado esperto virou moeda social. Um passaporte para o respeito e para os holofotes. Quem demonstra inteligência é celebrado, quase canonizado. Mas quem se esconde na simplicidade, quem cala quando todos gritam, quem escuta em vez de disputar falas — esse é subestimado. No entanto, talvez aí esteja a chave. Fingir-se de burro, no sentido mais provocador da ideia, é escapar da prisão do ego. Não se trata de exaltar a ignorância ou desdenhar o conhecimento, mas de perceber que o pensamento puro — aquele que busca a verdade sem vaidade — não precisa de plateia, nem de troféus. A sabedoria não grita. E, quase sempre, caminha descalça.
A sociedade se esqueceu de como é pensar por prazer, por inquietação, por espanto. Hoje se pensa para impressionar. A inteligência virou decoração de ego. Diplomas, termos técnicos, siglas, nomes difíceis — tudo serve mais para marcar território do que para iluminar a escuridão. Schopenhauer sabia que, quando o pensamento se torna vaidade, ele se degenera. O pensador que vive para parecer inteligente, deixa de ser pensador. Torna-se ator. É um ator que performa para o próprio espelho.
A mente que precisa o tempo todo se provar perde a capacidade de observar. Porque ver o mundo exige humildade. E humildade não sobrevive onde o ego é soberano. Fingir-se de burro, nesse sentido, é uma forma de respirar. É escolher sair do palco e sentar na plateia. É dizer: “não preciso vencer essa disputa, porque não estou lutando com ninguém”. É renunciar ao papel de gênio e aceitar o de aprendiz. E, nesse instante, a verdade começa a sussurrar. Baixinha, mas clara.
Quantas vezes você percebeu que aprendeu mais quando decidiu não mostrar que sabia? Quantas vezes viu o outro se revelar por completo apenas porque você se calou? Quando abrimos mão da ânsia de parecer inteligentes, o mundo relaxa. As pessoas abaixam a guarda. As conversas fluem. E, mais importante, algo em nós também se desarma. O fingimento da ignorância — quando é escolha e não limitação — pode ser uma das ferramentas mais potentes de escuta e de conexão com o real. É uma forma de enxergar sem os filtros da vaidade intelectual.
Schopenhauer não defendia o anti-intelectualismo. Pelo contrário: era um pensador de profundidade rara. Mas ele compreendia que o intelecto só floresce de verdade quando é atravessado por uma consciência silenciosa. Aquela que não precisa de aprovação. Aquela que não compete. Aquela que, justamente por saber muito, não precisa parecer que sabe. Ele denunciava os falsos intelectuais — esses que constroem labirintos verbais para esconder que não têm nada a dizer. Gente que acredita que palavras difíceis substituem ideias claras. Que confundem complexidade com profundidade. E que, no fundo, usam o saber como couraça, para esconder o vazio.
No Brasil, essa lógica virou epidemia. A vaidade acadêmica virou sacerdócio. Um culto à repetição. Especialistas ecoando ideologias pré-fabricadas, incapazes de pensar fora da bolha. Em vez de questionar, reproduzem. Em vez de abrir caminhos, constroem muros. O saber se tornou instrumento de exclusão, e não de libertação. O resultado é uma elite intelectual que não ilumina, mas confunde. Que não desperta, mas adormece. Que prefere manter as massas na escuridão porque teme perder o pedestal se todos acenderem a própria vela.
O falso intelectual veste o saber como armadura, mas sua erudição é oca, como um sino que faz barulho, mas não comunica nada. Há aqueles que acumulam conhecimento como um avarento junta moedas — mas não compreendem o valor de nenhuma delas. A vitória mais perigosa da ignorância é quando ela se disfarça de erudição e transforma o ruído em sinônimo de sabedoria.
Talvez por isso, fingir-se de burro seja, paradoxalmente, o gesto mais lúcido. É abandonar o palco da vaidade. É aceitar que não temos — e jamais teremos — controle total sobre o mistério que é existir. A verdadeira inteligência, às vezes, não está em decifrar tudo, mas em acolher o que não se pode explicar. Em conviver com o enigma, sem precisar dominá-lo. A simplicidade, quando é escolha e não limitação, pode ser o ponto mais alto da consciência humana.
Porque, no fim, quem precisa parecer inteligente o tempo todo talvez ainda não tenha entendido nada.