O ano de 2020 foi marcado por uma série de acontecimentos que mudaram o funcionamento do mundo. A pandemia, a apresentação do conceito de fake news à população e os desdobramentos advindos disso foram um verdadeiro reset cultural. Em 2020, também tivemos uma série de manifestações do Black Lives Matter decorrentes da morte de George Floyd. Esses acontecimentos alimentaram o Zeitgeist e deram uma prévia de como seriam os próximos anos.
Um acontecimento específico, e bem anedótico, não é lembrado o suficiente. Trata-se da comunidade autônoma de CHAZ, ou Capitol Hill Autonomous Zone, localizada na cidade de Seattle, Washington. Capitol Hill era um distrito conhecido pela influência da contracultura e pelo convívio de minorias na região. Seria basicamente uma ilha, um “safe space”.
Os chamados “safe spaces” sempre foram endossados pela esquerda, que, coberta pelo seu véu de virtude, idealizou esses lugares onde não haveria discriminação, criticismo ou julgamentos. Seria um espaço seguro para as minorias marginalizadas.
O CHAZ ocupava aproximadamente 10 quarteirões da cidade, que foram cercados e transformados em uma espécie de comuna. Prometia ser um governo popular, com decisões tomadas em conjunto. Seria uma utopia em meio ao caos capitalista que a América se tornava e não teria um líder único, seguindo os moldes do Occupy Wall Street. Entre as demandas dos manifestantes estava o corte do orçamento da polícia. Apesar dos voluntários que ajudaram com a arrecadação de alimentos e itens de higiene, a situação se mostrou insustentável. Empresas que atuavam na região teriam de pagar taxas abusivas aos manifestantes; a comida estava acabando, e havia reclamações sobre a segurança, tanto dos moradores do bairro quanto dos próprios invasores que ocupavam o distrito.
Houve uma escalada da violência e as decisões não eram mais tomadas de forma democrática. Um rapper chamado Raz Simone chegou a ser declarado o líder da ocupação e fazia a segurança do local usando um rifle. O porte de armas foi considerado um mal necessário para estabelecer ordem. O que deveria ser um espaço seguro virou um local onde eram relatados abusos sexuais e ameaças de morte por parte da organização local. Como toda ideia utópica, chegou ao fim e, em 1º de julho de 2020, após a prefeita de Seattle, Jenny Durkan, determinar a expulsão dos manifestantes e finalmente desocupar a área, morria de forma precoce a ideia de comunidade autônoma, que durou apenas 23 dias e causou altos impactos financeiros para a cidade. No final, foi apenas mais um delírio dos socialistas, semelhantes aos da Comuna de Paris, que parecem não aprender com os erros.
Voltando a 2024, tivemos um acontecimento com o qual podemos traçar um paralelo. Com a decisão sem embasamento jurídico tomada pelo Excelentíssimo juiz Alexandre de Moraes, depois de um embate com Elon Musk, que baniu a rede social X (antigo Twitter) do país, sentimos um pouco do que é viver em uma ditadura. Ironicamente, a ditadura mais próxima de nosso país, nossa amiga Venezuela, baniu o Twitter por apenas 10 dias no mês passado, e não por tempo indeterminado. Não sei se isso demonstra uma certa razoabilidade por parte de Nicolás Maduro ou uma megalomania do nosso Ministro do STF, que conseguiu ultrapassar um chavista no quesito de decisões monocráticas malucas.
Com o “velório” da rede social que abrigava tão bem a esquerda problematizadora, eles precisavam de um exílio, devendo achar um espaço seguro longe dos extremistas de direita, do monstro da liberdade de expressão e das pessoas não iluminadas com a austeridade moral. Partiram para o Bluesky, nova rede social que tem a pretensão de substituir o X, onde não estariam desobedecendo as ordens do Excelentíssimo. O compasso moral da República, Felipe Neto, foi um dos influenciadores que saiu do X e começou a usar essa nova rede social, e uma imagem que circulou na internet mostrava seu perfil como um dos mais bloqueados por outros usuários.
A nova rede social também permite que usuários votem para sinalizar discursos extremistas. Não se sabe ao certo se a turma anti-extremismo ficará para sempre reclusa no Bluesky ou se retornará ao seu habitat natural depois de um tempo. A situação é similar à comunidade autônoma, pois demonstra uma característica notória do pensamento de esquerda: ignorando características da natureza humana, como a discordância de ideias, seus espaços seguros tendem a falhar, pois a ordem natural das coisas tende a destruir a utopia do campo das ideias.
Mas houve um saldo positivo em tudo isso. Por conta do bloqueio, a questão da privacidade online ganhou visibilidade e a ferramenta VPN ficou popular, fazendo com que as pessoas conhecessem meios de acessar conteúdos bloqueados em seu país. O X continuou, com a volta de nomes como Monark, em sua conta original que havia sido retida, bem como Rodrigo Constantino e companhia. De forma irônica, virou um antro de tudo o que tentaram deter. O “all-in” de Alexandre foi um passo em falso, criando uma polarização ainda maior e tirando o espaço dominante da esquerda na rede social, que era conhecida pela retórica capciosa.
Assim como em ditaduras, o expurgo de qualquer ideia perniciosa cria uma vigilância que torna o espaço seguro mais perigoso do que o ambiente hostil lá fora, do qual tentam nos proteger, ou apenas tira o espaço de alguns, a própria ala que defendia a legitimidade da decisão, nesse caso.
O que aprendemos é que a censura se torna cada vez mais difícil em tempos de informação descentralizada. Na transação que Alexandre de Moraes fez, tirando a voz da população e cerceando seus direitos em troca de uma massagem no ego, nós, o povo brasileiro, fomos os verdadeiros perdedores.
Ele traz para as instituições jurídicas desprestígio e coloca um alvo no Brasil, fazendo com que nomes como Bill Ackman, grande investidor americano, analisem uma derrocada de investimentos no país, chamando-o de “mercado não-investível”. A imprensa internacional começa a se sentir confusa sobre o nosso país, não sabendo se “democracia” ainda é um bom adjetivo para o sistema que estamos vivendo aqui. Nem mesmo a mídia progressista ignora que há exageros e excessos na conduta administrada.
Moraes, que certa vez corrigiu um advogado durante uma sessão no plenário por confundir “O Príncipe”, de Maquiavel, com “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry, certamente conhece bem as duas obras, mas se inspirou tanto na primeira que deve ter se esquecido da mensagem da segunda: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”